Ensaio: O Jornalista, o Assassino e a Ética

  Hernani Oliveira

O Jornalista e o Assassino, livro da escritora tcheca Janet Malcolm, é uma obra impar na discursão sobre a ética jornalística. Esse livro tem como protagonistas um acusado de assassinato, que matou toda a família com requintes de crueldade, e um jornalista (Joe McGinniss) que depois de uma publicação de sucesso busca um novo best-seller, após anos de fracasso de publicações de pouco impacto, logo de pouco retorno financeiro.
O jornalista como homem das letras tira justamente de histórias noticiosas seu sustento, e o Joe McGinniss almejava isso, até ser convidado para fazer a defesa do acusado de homicídio Jeffrey McDonald, que matara sua esposa grávida e duas filhas pequenas a golpes de pauladas e facadas em 1970.
O advogado do médico militar, McDonald, viu na figura de McGinniss a oportunidade de inocentar de vez o seu cliente e o convidou para escrever um livro que melhorasse a imagem do réu. O jornalista é claro aceitou, ficou muito próximo do McDonald chegando até a ser um confidente, mas no final das contas fez o inverso e só concretizou as acusações da promotoria.
Ao que se refere à postura ou conduta do jornalista, o livro da Janet abre um leque de possibilidades no âmbito da ética desse profissional sendo esse o objetivo desse ensaio.
De acordo com o Código de Ética do Jornalista, no artigo sétimo “O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação”. Não se pode dizer que McGinniss fugiu desse princípio de primar pela verdade, porém a divulgação não visava informar ao público, mas o lucro provindo da venda do livro Fatal Vision publicado em 1983.
Porém esse artigo do Código de Ética do Jornalista fica na maioria das vezes só no papel, pois alguns profissionais esquecem e geram até um desserviço a população, como defende a jornalista Isadora Schimitt.
O compromisso com a verdade e a apuração precisa dos fatos - dois assuntos tão falados em debates sobre comunicação - apesar de já estarem batidos, infelizmente são esquecidos todos os dias por alguns profissionais. A busca pelo furo e a rapidez da notícia hoje tão exigida pelos meios - apesar de terem sua importância para a informação - acabam muitas vezes prestando um desserviço ao público (SCHMITT, 2004).
O capitalismo molda a personalidade de seus agentes, assim valores éticos dependem de qual lado está o capital. O jornalismo é uma profissão que gera um dessas categorias de agentes que sustentam a engrenagem do sistema mata-mata capitalista. Essa engrenagem, onde o que não se publica por manter o lado ético até mesmo do código de ética do jornalista, vem outro e publica a história sem receio de punições. A liberdade de expressão não se limita nem por questões éticas.
Para o jornalista Cláudio Abramo, a ética do cidadão é mesma do jornalista, não existe duas ou meio termo, o limite e o senso da atividade profissional seguem os mesmo princípios de outras profissões.
No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer outra profissão. É preciso ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista. (ABRAMO, 1988, p. 109)
Porém a ética do cidadão é formulada por princípios e valores religiosos, culturais ou políticos que por várias vezes podem ser considerados até mesmo preconceituosos e arcaicos, que atingem diretamente a ética de alguns grupos. Dizer que a ética do jornalista é mesma do cidadão depende de qual tipo de cidadão se está falando. Pobre ou rico, negro ou branco a mídia tem sempre suas escolhas.
O difícil é tomar isso como princípio norteador, achar que o jornalista segue a risca somente o que lhe convêm ou o que não fere o seu entendimento e comportamento ético em suas atitudes ou publicações, é algo demasiadamente errôneo. Será que um jornalista cristão irá tratar com imparcialmente um assunto que atinge diretamente o seu credo? Ou criticar o sistema capitalista o qual o sustenta? Claro, ter duas posições sobre determinado assunto é algo preocupante, pois logo atinge o caráter, mas a ética circunscreve a conduta e as circunstâncias do momento do circo midiático em que se vive.
Isso se deve a priori a liberdade de imprensa, que só é tomada pelos donos do jornal (ABRAMO,1988). Para escrever em um jornal tem que seguir a linha editorial do mesmo, ou seja, o que o dono acha viável ou não ser lançado para a opinião publica.
Em um mundo onde não precisa ir longe para se enxergar as discrepâncias do sistema econômico vigente, onde de um lado tem a maioria esmagadora de pobres e de outro uma minoria ínfima de ricos, é preciso uma espécie de contrato social de respeito de propriedade ou de fortuna, ou seja, o dominado tem que entender sua função de peão no tabuleiro de xadrez capitalista. Para manter a população sempre subordinada é preciso ideias que orientem a posição do submisso que é a de sustentar a pirâmide econômica e isso os meios de comunicações lidam muito bem, logo ser ético depende do contexto sócio cultural dos envolvidos.
Aquela expressão popular que diz, ninguém nasce sabendo, é um caminho para explicar que o conhecimento que temos do mundo é passado de geração em geração, mas essas ideologias não caem do céu, são elaboradas por pessoas (os jornalistas são uma destas) que ditam as diretrizes transformando até mesmo em valores, para que sejam mantidos os privilégios dos dominantes e abafem qualquer forma que prejudique o sistema de exploração.
O jornalista tem que ter muita cautela no ato da produção de uma matéria, pois pode mudar vidas para sempre. Aquela expressão “errar é humano” também se aplica ao jornalista, por pior que pareça ainda são humanos, mas o erro não pode se converter em hábito.
Erros podem acontecer, mesmo existindo profissionais sérios e compromissados com a veracidade dos fatos. Evidentemente, com os erros, empresas jornalísticas respeitadas caem em alguns pontos com o público e os profissionais também. Mas todos são passíveis de erro, seria ilusão pensar o contrário. No entanto, por isso mesmo, a responsabilidade da mídia em relação ao seu público é cada vez maior (NONATO; JESUS, 2013).
São inúmeros os casos onde a mídia gera notícias que ferem diretamente o código de ética do jornalista e nada acontece, e se há um reparo é insignificante a altura do estrago causado.
O exemplo mais plausível é o “caso da escola base”, onde a imprensa brasileira fez um linchamento midiático e estragou a vida de várias pessoas, e posteriormente indenizou algumas, mas dinheiro nenhum restaura uma imagem que fora danificada em vários veículos de comunicações em um curto prazo de tempo. A retratação nunca tem o mesmo tempo da difamação, logo na memória coletiva fica aquela que foi mais incisiva.
Os seres que tiram para seu sustento polir a informação, precisam de uma maior responsabilidade para repassar a notícia o mais próximo da verdade possível, pois, “Os jornalistas são responsáveis, quanto ao conteúdo, pelo reflexo fiel e completo dos negócios públicos, pela proposta da visão crítica, assegurando uma informação respeitosa dos fatos e pessoas” (CORNU, p. 107, 1998).
Dessa forma a tentativa desesperada da defesa de McDonald de produzir um livro que mudasse a opinião pública sobre seu cliente, fora buscar em um jornalista para tentar limpar seu nome do crime bárbaro. O que eles não sabiam era que justamente o jornalista sepultaria de vez essa defesa.
Não acredito na ética situacional e certamente não acredito que os jornalistas devam mentir e deturpar para obter a colaboração de alguém. Acho também que essa duplicidade lança sérias dúvidas sobre o que está escrito. Para mim, se a liberdade de imprensa depende do direito a mentir, então é uma liberdade que não deveria ser protegida. Dizer à mãe de MacDonald por telefone, ‘Não descansarei enquanto o seu filho não for inocentado’, e depois ir escrever um livro como aquele — tem alguma coisa nisso que cheira muito mal. (MALCOLM, p. 113)
Essa citação retirada do livro em questão da Janet Malcolm se refere ao tipo de ética que o McGinniss assumiria e colocaria em cheque a postura jornalística, sendo por vezes bipolar por força da profissão. E que profissão é essa de dupla face? A confiabilidade, por vez está intrínseca à credibilidade. A liberdade de imprensa estaria em viés superior as demais?
Para o autor Daniel Cornu, o jornalismo por ser uma atividade com aspecto coletivo e de um papel de grande importância, devido à ética supor uma liberdade, ao colocar em prática a liberdade de imprensa quase nunca é individual (CORNU, 1998).
Não se pode afirmar que McGinniss foi pioneiro nesse jogo que fez com McDonald, de ganhar a confiança da fonte, deixa-la a vontade para contar tudo e depois reunir as informações contra ela. Essa conduta do jornalista varia de acordo com as pressões estruturais que influenciam as escolhas e métodos em seu comportamento jornalístico (CORNU, 1998). Para o jornalista extrair informação da fonte exige um trabalho de investigação apurada, pois a fonte só libera o que bem quiser ser publicado.
Entre o jornalista e as fontes existe portanto um jogo de forças, que com maior frequência está do lado das fontes, que dominam as operações e decidem quanto ao conteúdo e ao momento da informação. O jornalista faz papel de detetive. Além disso, ele está concorrendo com seus colegas de profissão, o que o coloca numa posição ainda mais delicada (CORNU, p. 88,  1998).
Essa pressão que existe em coletar informações e reuni-las para elaborar uma produção noticiosa e ao mesmo tempo o jornalista está concorrendo com seus colegas, faz com que na maioria das vezes se esqueçam da ética profissional. O jeito de conduzir o caso pelo McGinniss ao escrever seu livro, levou Malcolm a reunir diversas opiniões sobre a prática jornalística e onde estaria a tal da ética.

REFERÊNCIAS
ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo: o jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Companhia das letras, 1999.
CÓDIGO DE ÉTICA DOS JORNALISTAS BRASILEIROS. Disponível em: <http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros..pdf>. Acesso em: 18 dez. 2015
 CORNU, Daniel. Ética da informação. 2. ed. Bauru, SP: EDUSC, 1998.
MALCOLM, Janet. O jornalista e o assassino. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2015
NONATO, Diogo Oliveira; JESUS, Joscivanio de. Princípios éticos e abusos da imprensa. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2015

SCHMITT, Isadora. Ética em desuso. Disponível em: . Acesso em: 22 dez. 2015.