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A Terra mudou de eixo — e a culpa é nossa

 

Localizações dos 6.862 reservatórios examinados no estudo.
(Valencic et al., Geophys. Res. Lett., 2025)

A ação humana alterou algo tão fundamental quanto a própria rotação da Terra. Um estudo publicado na Geophysical Research Letters mostra que o represamento artificial de água, acumulada em milhares de barragens construídas nos últimos dois séculos, foi suficiente para deslocar o eixo de rotação do planeta em mais de um metro.

Conduzida pela geofísica Natasha Valencic, da Universidade de Harvard, a pesquisa analisou o impacto de 6.957 represas construídas entre 1835 e 2011. Juntas, elas armazenam mais de 7.200 quilômetros cúbicos de água — volume equivalente a aproximadamente três vezes o do Lago Michigan, nos Estados Unidos. Essa redistribuição de massa na superfície terrestre provocou uma migração real do polo geográfico, em um fenômeno conhecido como true polar wander.

Entre 1835 e 1954, o polo norte moveu-se cerca de 20 centímetros em direção à Rússia, influenciado por represas na Europa e América do Norte. A partir de 1955, com a intensificação de projetos na Ásia e África Oriental, o eixo mudou de direção e se deslocou 57 centímetros rumo à América do Norte. No total, o movimento registrado foi de aproximadamente 113 centímetros até 2011 (VALENCIC et al., 2025).

"À medida que retemos a água atrás das barragens, ela não apenas remove a água dos oceanos, levando a uma queda global do nível do mar, mas também distribui massa de uma maneira diferente ao redor do mundo" (VALENCIC et al., 2025, p. 4).

Esse deslocamento não interfere diretamente nos polos magnéticos internos, mas altera a posição da crosta terrestre em relação ao núcleo — o que, na prática, faz com que diferentes partes da superfície se desloquem sobre os campos magnéticos já existentes.

O estudo também estima que a retenção de água represada provocou uma queda de 21 milímetros no nível global do mar. Embora esse efeito possa parecer benéfico frente ao aumento do nível do mar induzido pelas mudanças climáticas, os autores alertam para o impacto que essas intervenções podem ter na precisão de modelos geofísicos.

"Dependendo de onde você coloca barragens e reservatórios, a geometria do aumento do nível do mar mudará", explica Valencic. "Essas mudanças podem ser muito grandes, muito significativas" (VALENCIC et al., 2025, p. 7).

Com implicações diretas sobre a distribuição de água, previsões climáticas e até localização geográfica precisa, a descoberta reforça um ponto crucial: a influência humana já se faz sentir não apenas no clima, mas na própria mecânica planetária.


Referência:

VALENCIC, L. A. et al. True Polar Wander Driven by Artificial Water Impoundment: 1835–2011. Geophysical Research Letters, v. 52, n. 10, p. 1–9, 2025.