RESENHA: Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. Bernardo Kucinski



KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Página Aberta, 1991.
  Por Hernâni Oliveira     
Entre 1964 e 1980 cerca de 150 periódicos que tinham uma pegada oposicionista ao regime militar brasileiro nasceram e pereceram. Chamada de imprensa alternativa ou nanica, por terem características “de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída para uma situação difícil e, finalmente, (...) de protagonizar as transformações sociais que pregavam” (p. 05).
A imprensa alternativa batia de frente com a imprensa oficial aliada ao governo militar, pedia a volta da democracia, o respeito pelos direitos humanos e criticava o modelo de sistema econômico ao qual o país faz parte.
Segundo o autor havia duas grandes classes dos jornais alternativos um com viés político enraizado na valorização do nacional e do popular intercalando “no marxismo vulgarizado dos meios estudantis nos anos de 1960” (p. 05). Esses jornais possibilitavam a população conhecer a dívida externa que estava demasiadamente acumulada e o desgaste dos direitos civis, que estavam sendo usurpados sem resistência dos civis brasileiros, entregue aos militares e patrocinado pela grande mídia. A outra classe de jornal tinha raízes na contra-cultura estadunidense “no orientalismo, no anarquismo e no existencialismo de Jean Paul Sartre” (p. 06). Esses jornais se opuseram contra a hipocrisia moral da classe média e o autoritarismo dos costumes.
O PASQUIM transformou as linguagens, sejam elas jornalísticas / publicitárias ou a coloquial, essas mudanças interferiram até nos hábitos e valores dos jovens que já provinham de uma moral provinciana forjada na falácia do milagre econômico.
Surgida de duas forças igualmente compulsivas, a imprensa alternativa, tinha o desejo de transformação pelo ideário esquerdista “e a busca por jornalistas e intelectuais, de espaços alternativos à grande imprensa e à universidade” (p. 06). No decorrer das mudanças no imaginário social e com a articulação com jornalistas e intelectuais iriam surgindo novos jornais provindos da imprensa alternativa.
A importância da imprensa alternativa deve-se ao fato que apesar de ter sua essência de cunho jornalístico fora também um “espaço de reorganização política e ideológica das esquerdas nas condições específicas do autoritarismo” (p. 07), o entrelaçamento fora tão significativo que a história da esquerda brasileira se confunde com a da história da imprensa alternativa.
Não demorou muito para aparecerem jornais alternativos que inspirados pela revolução cubana almejavam atrair jovens para se tornarem guerrilheiros e confrontarem o governo militar. A imprensa alternativa brasileira se difere das demais imprensas alternativas dos Estados Unidos e da Europa, por serem intrinsicamente forjadas pelo ambiente de repressão ditatorial além de terem aversão ao sistema econômico capitalista, com “um espírito anticapitalista” (p. 08) faziam suas publicações que por muitas vezes cairiam nas garras da censura. Os recursos financeiros para sustentar essa imprensa alternativa provinham dos próprios jornalistas que trabalhavam na imprensa convencional, assim como apoiadores intelectuais e militantes políticos.
Fazendo uma análise histórica é suscetível dizer que a imprensa alternativa fora a sucessora legítima dos folhetins, dos pasquins e da imprensa anarquista que floresceu em meados do Brasil oitocentista, e que no século XX tenta dar continuidade contra o estado opressor agora não monárquico, mas golpista militar.
Esses jornais eram perecíveis, pois de “cerca de 150 jornais, um em cada dois não chegava a completar um ano de existência” (p. 12), apenas 25 jornais tiveram uma vida um pouco mais duradoura com cinco anos de duração. Teorias do senso comum, segundo o autor, justificam o fim desses jornais que faziam parte da lógica da ditadura, como um “sistema termodinâmico no qual a cada aumento ou diminuição da pressão autoritária corresponderia um aumento ou diminuição da atividade alternativa” (p. 12), porém essa tese cai por terra quando pensamos “a repressão, os seqüestros de edições, a censura prévia, os processos políticos, tudo isso precipitava crises latentes dentro dos jornais; raramente foram as causas diretas do seu fechamento” (p. 12).
O modelo ético-político da imprensa alternativa era o repúdio ao lucro “e, em alguns jornais, até mesmo o desprezo por questões de administração, organização e comercialização” (p. 13), essa postura antieconômica prejudicava sua expansão e geraram divergências internas pela “não-valorização do respeito mútuo, do direito de divergir, a incapacidade de operar novas propostas participativas que surgiram nos jornais basistas, em especial após 1976, contribuíram para fragilizar os jornais alternativos” (p. 14).