Cuxe & Axum para quem tem pressa



Nas misteriosas terras do vale do Nilo, ao sul do Egito, emergiu, ao longo dos séculos VII a.C. e II d.C., o enigmático Reino de Cuxe, cuja faceta mais notável era a pulsante atividade comercial. Por meio de suas intensas trocas, os cuxitas teceram uma complexa rede de intercâmbios culturais, unindo povos que habitavam a região central da África e a fascinante costa mediterrânea. Nesse cenário de relações dinâmicas, encontraram-se momentos de frutífera cooperação e também períodos marcados por conflitos e dominação.


Durante os séculos XIX e início do XX, lamentavelmente, os pesquisadores mantinham uma visão preconceituosa em relação aos povos da África subsaariana, incluindo os núbios. Embasados em antigas crenças racistas, esses estudiosos não foram capazes de apreender a verdadeira importância dessa fascinante civilização. Entretanto, os arqueólogos contemporâneos, munidos de sensibilidade e consciência crítica, puderam enxergar além dos preconceitos e resgatar a riqueza da cultura núbia, que, embora influenciada pelo Egito, possuía uma história e significado próprios.

A Resiliente Núbia: Revelações de um Reino Antigo


As mais antigas evidências de um reino organizado na encantadora Núbia remontam a poços de armazenamento de cereais datados de 2700 a.C., descobertos em uma ilha do majestoso rio Nilo. Ao longo dos séculos, essa região se transformou em um importante centro de comércio que conectava, por meio de rotas fluviais e terrestres, o mar Vermelho, o Egito e o oeste do atual Sudão.

Erguendo-se como o coração pulsante dessa sociedade, a cidade de Kerma prosperou entre aproximadamente 2400 a.C. e 1570 a.C. Situada em terras irrigadas e férteis, graças aos canais do Nilo, a cidade era resguardada por imponentes muralhas, com até 10 metros de altura e mais de 1 quilômetro de comprimento. Entre seus habitantes encontravam-se reis e altos funcionários ligados à família real, cuja riqueza provinha do comércio e da exploração de minas de ouro. Kerma alcançou o esplendor por volta de 2200 a.C., quando uma grande seca devastou o Egito e a Mesopotâmia.


O Reino de Cuxe, um dos principais produtores de ouro do mundo antigo, viu suas riquezas e população florescerem, graças ao próspero comércio e à exploração do precioso metal dourado. Embora com uma população de 10 mil pessoas por volta de 1700 a.C., número modesto para os padrões atuais, era expressivo para a época.

No entanto, o crescimento do Reino de Cuxe foi bruscamente interrompido com a invasão egípcia, que teve início por volta de 1570 a.C. Por aproximadamente 500 anos, as rotas comerciais e as minas de ouro cuxitas ficaram sob o controle dos faraós.

Durante esse período, os núbios incorporaram muitos conhecimentos e costumes do Egito, como a escrita hieroglífica e as técnicas de artesanato. Além disso, foram empregados como mão de obra nas construções e no exército do faraó.

A história resiliente da Núbia, revelada por meio das descobertas arqueológicas, nos permite apreciar a grandeza de um reino antigo que enfrentou desafios e transformações ao longo dos tempos. Mais do que apenas uma sombra do passado, a Núbia ressurge como um fascinante capítulo da história da humanidade, enriquecendo nossos entendimentos sobre as sociedades antigas e seu eterno legado.

O Renascimento de um Reino: O Esplendor Cuxita em Napata



Atravessando os séculos, o domínio egípcio em Cuxe chegou ao seu ocaso por volta de 1000 a.C., dando origem a um reino cuxita independente, com sua nova capital erguida esplendorosamente em Napata. A partir de 730 a.C., ousados exércitos núbios empreenderam uma marcante ofensiva sobre o Egito, dominando o território por quase cem anos, ao ponto de os próprios faraós egípcios serem de origem núbia.

Em Napata, a história reverberava com a construção de majestosas estátuas, pequenas pirâmides, suntuosos palácios e reverenciados templos dedicados aos deuses. Entre eles, o grandioso templo em honra ao deus Amon se erigia majestosamente na montanha de Djebel Barkal, sagrada tanto para os egípcios quanto para os núbios.

Todavia, o esplendor do reino cuxita no Egito gradualmente desvaneceu-se ao longo do século VII a.C., forçando os reis de Cuxe a recuarem para suas fronteiras originais em Napata. E, em um movimento marcado por mudança e renovação, no século VI a.C., a capital cuxita deslocou-se para Méroe, um destino mais ao sul.

Na época da ascensão do reino de Napata, a criação de animais já possuía uma tradição enraizada, representando, ao lado da agricultura, a principal fonte de subsistência da população. O gado, tanto de chifres longos quanto curtos, carneiros, cabras, cavalos e burros, essenciais como animais de carga, eram criados em grande escala. Aos poucos, os camelos foram introduzidos ao final do século I antes da Era Cristã, enriquecendo ainda mais a prática pecuária cuxita.

Essa tradição pecuária assumia uma importância inigualável no Império de Kush, estampada não apenas em sua iconografia, mas também em seus ritos funerários e metáforas que comparavam exércitos sem líder a rebanhos sem pastores. As oferendas reverenciadas nos templos compunham-se principalmente de animais domésticos, e a prosperidade dos reis, aristocratas e sacerdotes era muitas vezes avaliada em gado.

Neste renascimento histórico, o esplendor do Reino de Cuxe em Napata ecoa ao longo dos séculos, trazendo consigo a riqueza cultural e pecuária de uma civilização notável que floresceu às margens do rio Nilo. Em suas tramas, essas terras exalam a essência de uma história que, como um manancial de sabedoria, nos inspira até os dias atuais.

A Esplêndida Méroe: Centro de Riqueza e Comércio


Nas vastas terras desertas que se estendem ao redor do Nilo, no atual Sudão, ergue-se um notável conjunto de mais de 200 pirâmides construídas pelos núbios. Embora menos imponentes do que as do Egito, essas pirâmides possuíam a mesma nobre função: abrigar os túmulos de reis e rainhas da grandiosa Méroe, última capital do Reino de Cuxe.


Os meroítas, além de exímios construtores, destacavam-se como hábeis artesãos. Produziam lanças, machados, enxadas de ferro, assim como objetos de cerâmica, joias de ouro e tecidos. O ouro, extraído das minas entre o rio Nilo e o mar Vermelho, era exportado em abundância para o Egito. Nos campos férteis, os agricultores cultivavam trigo, cevada, algodão, lentilha e criavam bois, cabras, ovelhas e carneiros.

A mestria dos meroítas estendia-se além das fronteiras. Eles desenvolveram um comércio eficaz, estabelecendo ligações entre o mar Mediterrâneo e o interior da África. Por meio de suas rotas comerciais, preciosidades como ouro, marfim, ébano, peles de leopardo, penas de avestruz, macacos e pedras para a construção de templos e pirâmides circulavam. Méroe, no século III a.C., florescia como um grandioso empório de produtos provenientes de diversos pontos da África. Os comerciantes meroítas também adquiriam mercadorias fenícias, gregas e de outras origens, distribuindo-as com maestria por parte da África e pela península Arábica.

A magnífica Méroe, com sua riqueza, arte e comércio próspero, erguia-se como um farol no deserto sudanês, eternizando-se como um testemunho da genialidade e prosperidade da civilização núbia. Suas conquistas comerciais reverberavam não apenas ao longo dos séculos, mas também entre culturas distintas, demonstrando o vigor e a audácia do povo meroíta ao moldar uma história de grandiosidade e harmonia na encantadora paisagem desértica do Nilo.

Poder e Intrigas: As Mulheres de Méroe e a Enigmática Escrita Meroítica



As mulheres da nobreza em Méroe detinham um poder significativo. Inicialmente, tinham a responsabilidade de educar os príncipes, mas, ao longo do tempo, adquiriram influência na seleção do rei e participavam ativamente da cerimônia de coroação. Algumas delas chegaram até a ocupar o papel de regentes para filhos menores e eram reconhecidas como rainhas-mães, sendo intituladas "candaces". O historiador grego Estrabão, do século I a.C., descreveu a rainha Amanishakheto, uma candace, como uma mulher de força e coragem notáveis, que liderou pessoalmente uma expedição militar contra os romanos em 23 a.C.

A escrita meroítica, que derivou dos hieróglifos egípcios, era alfabética e apresentava duas formas distintas: uma mais restrita para documentos religiosos e reais, e outra cursiva, oriunda do demótico egípcio e amplamente utilizada. Apesar dos avanços no entendimento dos sons dos sinais, a escrita meroítica ainda não foi completamente decifrada, tornando as palavras um enigma. No entanto, alguns nomes de personagens e lugares foram decodificados. O conhecimento arqueológico desempenha um papel fundamental para desvendar totalmente a escrita meroítica e expandir nosso conhecimento sobre a história e o modo de vida dessa fascinante sociedade.