Resenha: História da América Latina Vol. III da independência a 1870 - Leslie Bethell



  Por Hernâni Oliveira     

BETHELL, Leslie. (Org.) História da América Latina Vol. III: da independência a 1870. São Paulo: Edusp, 2001, p. 231-265.

                        A partir do próprio título do texto, da Independência a 1870, Leslie Bethell deixa claro para seus leitores que se propõe focalizar no período dos insurretos hispano-americanos que almejavam sua independência e discutir sobre as estratégias inglesas de dominação da rota comercial das colônias, que estava buscando autonomia. O autor utiliza várias fontes bibliográficas, para construção de um texto que informa, discute e problematiza muitos saberes já constituídos sobre a independência Latino-Americana e o jogo de intenção dos Britânicos que vislumbravam um novo comércio com as nações nascentes.
            No inicio do texto o autor, já enquadram as lutas politicas e militares (que proporcionaram a independência das colônias latino-americanas) como algo que não era novo. E que essas insatisfações eram observadas com quão interesse pelo sistema politico europeu e atlântico. O autor defende que apesar do “Pacto de Família” feito entre espanhóis e Franceses, não afetou os ingleses, que com muita eficiência burlou a dominação dos colonos vigentes, fazendo um comercio clandestino com a América Espanhola; contudo os ingleses não quiseram expandir seu império com algumas das colônias “amigas”. Leslie também destaca que os novos princípios políticos introduzidos nas relações internacionais, mediante a Revolução Francesa, desencadeou nas colônias do Novo Mundo um desejo de emancipação politica de seus colonos. O autor explica que o estopim dos movimentos de separação das colônias espanholas deu seu ponta pé inicial desde a deposição da casa real da Espanha, em que Napoleão colocou seu irmão no poder, José Bonaparte. Disso os patriotas espanhóis se aliaram com a Inglaterra contra um inimigo em comum, os Franceses. Logo os ingleses incentivaram as colônias a lutarem junto com os patriotas da metrópole para destituir os franceses do governo espanhol. Esse episódio o autor reflete que foi um incentivo motivador de mais tarde derivaram os movimentos colônias de separação da Espanha, mas não descartou outras possibilidades. A mão amiga dos ingleses aos colonos espanhóis, no período dessa guerra peninsular, resultou que a América Latina absorvia mais de um terço das exportações inglesas.
            O governo inglês segundo Leslie estava em 1810 passando por um dilema, pois devido às revoluções hispano-americanas que as colônias se rebelaram contra o poder metropolitano, poderia afetar a luta contra Napoleão; e seria uma mancada tomar partido ao lado da Espanha contra esses insurgentes, uma vez que seria um risco no caso de relações futuras com essa colônia que poderá ser independente. A resposta da diplomacia inglesa foi se manter neutra, para não desapontar nem um dos lados em questão, similarmente ao papel do governo brasileiro nos últimos anos que em muitas questões politicas e econômicas se mantem nesse muro ideológico do poder. A Inglaterra visava “o mercado” que estava em ascensão, assim como o Brasil que frequentemente visita diversas Nações atrás de investimentos e expandir o mercado nacional. Ultimamente apreciamos as negociações do presidente Lula com o presidente Mahmoud Ahmadinejad do Irã, algo que irritou nosso aliado os Norte Americanos. 
            Nessa esfera do jogo ideológico inglês, além das boas condições de negocio, o autor lembra os “privilégios especiais” concedidos aos ingleses, citando por exemplo os tratados negociados por Strangford, que favorecia e muito a vida dos Britânicos em solo Brasileiro. Esse ato tinha a justificativa de que a Coroa portuguesa foi salva pelos ingleses em 1807 e essa divida seria retribuída com tais regalias. Essa influência inglesa e o respaldo dado a ela atrofiou “o desejo” dos Russos e estados germânicos do norte de desenvolver mercados na América do Sul. O autor ressalta que em 1822, sul-americanos, eram responsáveis por consumir 10 por cento das exportações Britânicas, e com isso trouxe mais investidores que aplicaram seu crédito comercial e proporcionaram empréstimos as novas nações. Mas a França correu atrás do prejuízo e em negociações com patriotas de Buenos Aires, propôs até a instalação de um membro da realeza francesa para se torna monarca do Rio de La Plata. Só que nessa época o sistema preferível de monarquia era do republicanismo para América Espanhola, ideal defendido por San Martín e outros patriotas, que recebiam essa proposta francesa com desconfiança.
            Como contraponto ao projeto de lei que fazia com que a Inglaterra ficasse neutra no sistema politico colonial, para Leslie a Inglaterra já estava descendo desse muro e ficando no lado dos insurretos. Visto que para os ingleses o que valia mais era a independência dessas colônias, pois estava surgindo um valioso comércio que estava em ascensão. Nesse contexto o governo inglês desenvolveu a “Lei de Alistamento de Estrangeiros” que serviu principalmente para abastecer os insurretos, fortalecendo e contribuindo para as vitórias de Bolívar. Logo ocorreram as independência da Venezuela, México, Peru e América Central, que o autor considera fruto dessa influencia inglesa com todo seu poderio ideológico de prevalecer seu ponto de vista. No entando as autonomias das ex-colônias, tinha que ganhar o reconhecimento das outras nações mundiais. O autor relata o exemplo de Francisco Antonio Zea, representante da Gran Colômbia para buscar o reconhecimento das nações europeias da sua legitimidade como país independente, ameaçava os países que não aprovava a sua independência com o rompimento das relações comerciais. Outra nação que também buscou seu reconhecimento diplomático foi o Brasil que acreditava que com tal ato concedido pelos ingleses era suficiente, não precisando assim doutras nações. A questão da autonomia brasileira admitida pelos ingleses dependia da condição de que o Brasil abolisse o tráfico negreiro, mas o Brasil não aceitou a abolição imediata, dai a Inglaterra tinha mais tempo para pensar já que o Brasil não abandonaria essa cultura rapidamente.
No ano de 1823 em conversações com o embaixador francês, Príncipe Polignac junto com o Conning concordaram que a restauração do domínio espanhol nas colônias era irreversível e também qualquer forma de privilégios exclusivos. Os ingleses ameaçam os franceses, que com “qualquer tentativa de restringir o seu comércio corrente poderia resultar no imediato reconhecimento das novas nações e aconteceria o mesmo diante de alguma interferência estrangeira pela força ou por ameaça” (p.250). Em dezembro desse mesmo ano os Estados Unidos na conhecida mensagem presidencial, a Doutrina Monroe, os norte americanos sai em defesa do continente dizendo que qualquer interferência europeia de atacar ou retomar e oprimir seria um ato de inimizade para com eles. No ano seguinte a relação dos ingleses com as nações hispano-americanas “independentes” só aumentava naquele momento os latinos americanos absorvia 15 por cento das exportações Britânicas, além do aumento em empréstimos.
O autor usa uma frase, para mostrar que o “xeque-mate” no tabuleiro de xadrez inglês, nesse ponto de vista: “a América Espanhola é livre; e se não administramos incorretamente nossos negócios, ela será inglesa” (p.253). Nesse tabuleiro de xadrez quem substituía a França (que tinha como peões os espanhóis) para jogar contra a Inglaterra era os Norte Americanos, que foram os primeiros a reconhecerem a autonomia das ex-colônias. Mas rapidamente os ingleses também iniciaram esse processo de reconhecimento diplomático. Devido os avanços de Britânicos e Norte Americanos em relação a regularização das relações com a América Espanhola, fez com que outras nações europeias, repensa-se suas atitudes. Pois o que estava em jogo era o almejado e rico comércio latino-americano. Veja essa citação do texto que exemplifica e muito esse ato de atitude de outras nações em reconhecimento dessas novas nações:
A Prússia, na década de 1820, estava entabulando vínculos comercias cada vez mais               estreito com a América espanhola [...] a Prússia trocou agentes comercias com o México e , em 1827, assinou um acordo semelhante aos estabelecido entre o México e a França. Seguiu-se a isso a negociação de um tratado comercial, que na verdade representou o reconhecimento da independência do México [...]. (p.256)

Ora, essa passagem sintetiza bastante no que se refere ao reconhecimento das nações “ilegítimas”, pois mostra que os tratados comerciais do velho mundo com o novo mundo, fortaleceram a autonomia dessas ex-colônias.
            De acordo com o autor a esperada rivalidade entre ingleses e os estadunidenses nunca aconteceu envolvendo uma disputa comercial pela América Latina, visto que o domínio industrial da Inglaterra proporciona-lhe um domínio sobre o mercado até a segunda metade do século XIX. Os Estados Unidos mantinham com predominância do mercado só envolvendo nações circunvizinhas. Segundo Leslie uma rivalidade por assim dizer Anglo-americana se deu em disputa da América Central.
            A Inglaterra devida sua forte influencia externa somada com sua supremacia naval, comercial e industrial, o autor afirma que foi a mais importante nação facilitadora nesse período de transição da América latina a sua independência. Pode-se dizer que a política inglesa saiu na frente no jogo de xadrez, que estava em disputa às novas rotas comerciais, enquanto os Estados Unidos só intermediava com nações vizinhas.
            A leitura desse texto nos guia pelos acontecimentos desse período de independência do Novo Mundo, Leslie aguça e enriquece nossa compreensão sobre o assunto em suas palavras claras, demonstra como se deu a estratégia inglesa para se destacar como nação amiga das novas nações. Esse texto proporciona ao leitor uma maior compreensão desse processo de legitimação das colônias Americanas.