RÉMOND, René. O Século XIX: 1815 –1914, 8. ed., São Paulo: Cultrix, 2002.
O autor René Rémond, historiador francês e analista político, escreveu diversas obras em história política, intelectual e religiosa da França nos séculos 19 e 20, com mais de trinta livros publicados. Foi presidente da Fundação nacional de Ciências Políticas de 1981 a janeiro de 2007. René foi agraciado com diversos títulos, destacando-se entre eles o de "Grande Oficial da Legião de Honra”. O Professor emérito da Universidade de Paris X-Nanterre, morreu aos 88 anos na capital francesa.
Partindo do próprio título do livro, O Século XIX, o autor René Rémond delineia claramente a seus leitores o foco desta obra que faz parte da série Introdução à história do nosso tempo, envolve um dos períodos mais complexo da história: o século das revoluções, ou seja, o século XIX.
Ancorado no rigor de sua argumentação, na potencialidade de sua análise e no vasto e profundo conhecimento do tema, René apresenta respostas concisas para os questionamentos mais precisos sobre o liberalismo, democracia, socialismo e nacionalismo que fazem parte desse período de rupturas, levantes e guerras civis que ajudam a compreensão da história de nossa época. É nesse século de efervescência que atinge e nasce primeiramente em solo Europeu, com toda essa gama de ideologias e manifestações que se espalha rapidamente em todo o mundo durante o decorrer desse século de grandes transformações, sejam elas sociais, políticas, ou econômicas.
O primeiro assunto abordado no livro, o autor inicia com o ano de 1815, pois foi o período da contra-revolução que ficou conhecido como “Restauração”. Assim como houve reforma e a contra-reforma, nessa época surgia um movimento contrário a Revolução Francesa, que almejava a volta do poder monárquico. Porém nem todos os monarcas tiveram seu poder restabelecido, porque as ideias da Revolução de 1789 continuavam vivas, a liberdade ainda era palavra de ordem. Por isso no plano das instituições e no plano das forças, uns querendo a volta do antigo regime, e outros querendo manter os princípios da revolução, fez com que toda Europa sacudisse com os novos movimentos que iam surgindo. O autor destaca que a primeira onda de movimentos derivada dessa restauração do antigo regime, foi a do movimento liberal que domina todo o século XIX, através de manifestações que tiveram por cunho a filosofia liberal, que era opositora a todo tipo de poder absoluto, inspirando novas revoluções em homens que sacrificavam a própria vida pela ideia liberal. Por isso o liberalismo era uma doutrina subversiva, progressista e revolucionária. Nas décadas de 20, 30 e 40 do século XIX, acontecem importantes revoluções que foram inspiradas nas ideias liberais. Com isso os liberais transformaram as sociedades europeias, fazendo com que elas repousassem sobre a igualdade de todos perante a lei, porém surgiu uma desigualdade no campo social, pois a sociedade liberal repousa também essencialmente no dinheiro e na instrução, ou seja, fortuna e cultura:
O dinheiro é um principio do libertador. A substituição da posse do solo ou de nascimento pelo dinheiro como principio de diferenciação social é incontestavelmente um elemento de emancipação. A terra escraviza o individuo, fixa-o ao solo. A mobilidade do dinheiro permite que se escape às imposições do nascimento da tradição, que se fuja ao conformismo dessas pequenas comunidades voltadas sobre as mesmas e estritamente fechadas. Basta ter dinheiro para que haja a possibilidade de mudar de lugar, de trocar de profissão, de residência, de região. A sociedade liberal, fundada sobre o dinheiro, abre possibilidades de mobilidade: mobilidade de bens que trocam de mãos, mobilidade das pessoas no espaço, na escala social. (p.45)
Essa desigualdade vai fazer emergir a crítica dos democratas e dos socialistas que vão sugerir novas ideologias fixada em suas causas, para substituir esse preceito de uma sociedade desigual e injusta.
No terceiro capitulo, o autor detém-se, no exame crítico dos processos de construção da “era democrática” que desde sua origem esse movimento se denomina uma força de transformação revolucionária. No começo do século XIX, esse novo movimento já se posicionava contra ao antigo regime e era um movimento de negação ou algo superior ao do liberalismo, mas o autor defende que a democracia nada mais é que um prolongamento da ideologia liberal. Além das reformas politicas, a democracia fez mudanças na sociedade, que cada vez mais se modelava a ser uma nova sociedade capitalista. Por exemplo, cria-se uma nova categoria de operários, os indústriais que era divergente dos operários do antigo regime.
Na esfera politica, René ressalta que a liberdade de voto, que devia ser livre e sem nenhuma intervenção ou pressão de terceiros sobre os eleitores, que nesse novo sistema, durante o século XIX estavam aderindo uma igualdade jamais vista em toda história. Outra transformação considerável destacado pelo autor foi o aparecimento dos partidos políticos modernos.
No entanto, o autor defende que o destino da democracia teria o mesmo rumo do liberalismo, pois surge outro movimento que luta pela uma igualdade efetiva: o Socialismo.
O Estado, de acordo com o autor, sofreria com essas ondas de novos movimentos uma evolução no seu papel que crescerá indefinidamente. A crítica marxista sobre o poder do Estado era sobre a classe dominante, que tomava os rumos de toda a cidade e também uma crítica da aspiração das comunidades regionais que tentavam recuperar sua autonomia, que assim resultava em um clima de hostilidade contra o Estado.
No contexto sobre o movimento socialista, o autor defende que dos três movimentos sucessivos do século XIX, o último, o socialismo, é o movimento que entra em confronto permanente entre história política e a história social, porque o movimento operário e socialista tem na politica e no social como interferência de modo mais intrínseco em seu meio. René explica que as origens do socialismo vêm de antes da Revolução Industrial, com o trabalho rural e não como se pensa, com o industrial. Porém foi na classe operária que o socialismo encontrou seu maior apoio recrutando dai um maior número de adeptos, e assim a classe operária também usou de inspiração os preceitos socialistas, ocorrendo uma relação recíproca. Ao longo do capítulo cinco, René busca retraçar a história desse encontro: socialismo e a classe operária, que resultou em nova categoria social saída da revolução social. O autor ainda para situar melhor o movimento operário, traz no sexto capitulo “as sociedades rurais” que até mesmo no início do século XIX, não ocorreram mudanças significativas notadas pela contemporaneidade; o que René definiu como uma história intemporal. Ele ainda destaca que a principal dificuldade dos homens do campo para se transformar em uma força política era que os camponeses tinham interesses diversos, não dialogavam entre si, não se reuniam e por ultimo não constituíam uma massa. Ou seja, não tinha força para impressionar ou intimidar seus patrões ou governantes.
Com crescimento das cidades e a urbanização, René defende que as sociedades contemporâneas se converteriam em sociedades urbanas, passando assim para um evento histórico de quão relevância a qual o homem depois de milhares de anos vivendo no meio rural, agora passa pelo o processo urbanizador.
Depois dos movimentos: do liberalismo, da democracia, socialista; também houve um determinante, o movimento das nacionalidades, que segundo o autor não tem como enquadrar esse movimento como nacionalismo, pois era um anacronismo para época, tendo o termo mais adequado de movimento das nacionalidades, pois tinha que ser interpretado como uma doutrina política dentro das fronteiras dos países. As nações europeias do século XIX eram compostas por os mais diversos grupos étnicos, linguísticos e históricos, fazendo surgir uma disparidade ou multiplicidade de línguas, culturas e religiões que dificultavam a ideia de nacional ou de unidade. O movimento das nacionalidades buscava trazer de volta o patriotismo ou identidade nacional desgastada pelo tempo.
A Revolução Francesa determinou “o direito de os povos disparem de si próprios” e também que cabia aos governantes colocarem em prática a “vontade da nação”. O movimento das nacionalidades traziam hinos patrióticos, bandeiras e obras de historiadores, linguistas, filósofos e políticos para dar sustentação a sua ideologia.
De acordo com René, esse movimento das nacionalidades foi muito contraditório, porque em algumas nações ele se inclinava para o movimento esquerdista, buscando uma sociedade liberalista ou democrática; já em outros países, o nacionalismo foi aristocrático, pode se dizer até feudal e religioso, que visava trazer novamente a ordem social e política do antigo regime.
O autor ressalta a importância do fato religioso que ajuda a especificar a vida da sociedade contemporânea, além de ultrapassar os limites da vida particular como fenômeno social, influenciando o indivíduo em seu modo de agir, pensar e de escolha, ou seja, ocorre uma mudança significativa na vida de um cidadão.
No decorrer do capítulo intitulado “Religião e Sociedade”, o autor faz uma construção de fatos históricos que foram decisivos na relação Igreja e Estado. Sabemos que há séculos atrás as relações entre elas eram muito íntimas e que a posição clerical era muito forte, e por muitas vezes pode-se dizer que o poder do Estado era subordinado o da Igreja. Essa relação vai se rompendo através do tempo pela Reforma, Iluminismo, Revolução Francesa, entre outros movimentos que divorciaram esse casamento de muitos séculos.
René Rémond, fala sobre certa descristianização que foi resultada do desleixo na evangelização da classe operária, a qual a Igreja não deu atenção suficiente a essa nova classe, gerando pessoas descompromissadas com a religião. Também vale salientar que por causa do posicionamento da Igreja de não atualização de sua doutrina pra se adaptar a nova sociedade, fez com que ocorresse uma evasão das instituições religiosas.
Por fim o autor trata sobre as relações entre a Europa e o mundo, em que justifica que é no continente europeu onde aconteceram as mudanças mais significativas que gerou o nosso mundo atual, porque foi lá que nasceram as grandes correntes de ideias, a revolução técnica, a transformação econômica, etc. A Europa levava o signo de novidade, os acontecimentos que ali aconteceram passaram a influenciar na história de outros povos, principalmente no século aqui discutido. Além de exportar cultura, política, entre outras particularidades, a Europa extraia as riquezas de suas colônias, fazendo como que ocorresse uma desigualdade tanto econômica como cultural e mais desigualdade dos direitos civis, os europeus sempre estavam um passo a frente de seus subordinados. O autor defende que a europeização é um fenômeno universal, que mudou todos os “aspectos de vida coletiva”, e essa influência é “domínio quase ininterrupto”, porém já se notam os “primeiros abalos” que afetam sua hegemonia.
Portanto, O Século XIX: 1815–1914 de René Rémond propõe-se ao leitor como uma construção desta época fundamental para criação de uma sociedade contemporânea. Além do texto que se desdobra para o leitor uma ampla dimensão do que foi esse período, e estimulando a reflexão sobre a trajetória e atuação dos movimentos que figuraram todo esse mosaico de grandes transformações no meio social, político e econômico.
Para o público universitário em geral, essa obra de René, se revela um preciso trabalho de referência, que com sua apresentação concisa dos movimentos revolucionários ajuda a compreender as concepções ideológicas desses grupos que guiaram o rumo da história recente.