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Fichamento: Fragmentos do discurso cultural: por uma análise crítica das categorias e conceitos que embasam o discurso sobre a cultura no Brasil

 


ALBUQUERQUE JR. Durval Muniz de. Fragmentos do discurso cultural: por uma análise crítica das categorias e conceitos que embasam o discurso sobre a cultura no Brasil. In: NUSSBAUMER, Gisele (org.) Teorias e políticas da cultura: visões multidisciplinares. Salvador: EDUFBA, 2007.


Ideias Centrais do Texto

“Em nossos discursos em torno da cultura e da produção cultural é recorrente o uso da noção de ‘resgate’.” (p. 14)

“Poderíamos dizer que estamos diante de uma nova forma de empalhamento ou de mumificação, uma nova maneira de museologizar e folclorizar as produções culturais populares ou de grupos étnicos, sociais ou culturais específicos”. (p. 15)

“Longe de mim estar negando a importância do registro destas atividades culturais, destas formas e matérias de expressão, mas daí a achar que isto é uma forma de preservar sua pretensa lógica tradicional, seu pretenso sentido primitivo e autêntico, vai uma longa distância”. (p. 15)

“A idéia de resgate traz embutido o mito da pureza das origens, de um tempo onde o acontecimento era idêntico a si mesmo, em que o evento é semelhança absoluta, identidade consigo mesmo, quando isto não existe no campo cultural ou em qualquer aspecto das práticas humanas, onde qualquer evento, mesmo trazendo repetições, é marcado pela criação, pela invenção, pelo deslocamento de sentidos e significados”. (p. 15-16)

“As tradições são sempre invenções feitas por grupos humanos numa determinada época. Não há algo tradicional desde sempre e nada do que é tradicional está isento de modificação, de transformação”. (p. 16)

“Em qualquer sociedade humana, o que caracteriza a produção cultural sempre foi as misturas, os hibridismos, as mestiçagens, as dominações, as hegemonias, as trocas, as antropofagias, as relações enfim. O que chamamos de cultura, conceito que por seu uso no singular já demonstra sua prisão à lógica da identidade, é na verdade um conjunto múltiplo e multidirecional de fluxos de sentido, de matérias e formas de expressão que circulam permanentemente, que nunca respeitaram fronteiras, que sempre carregam em si a potência do diferente, do criativo, do inventivo, da irrupção, do acasalamento”. (p. 16-17)

“Outra noção recorrente é a de “preservação”, que parte de outro pressuposto identitário que é o da possibilidade de que qualquer realidade natural ou cultural possa permanecer sem mudanças ao longo do tempo. [...] O mesmo ocorre com qualquer prática cultural que se queira preservar, o que preservamos é sua possibilidade de existir e, portanto, de diferir e de divergir”. (p. 17)

“As identidades também são fabricações sociais e históricas, as identidades não são originais, não vêm da origem, porque também teríamos que nomear e datar esta origem e descobrí-la como invenção social”. (p. 18)

“A mistura nega a identidade e afirma a diferença”. (p. 18)

“Como foi possível misturar e identificar, se a mistura é a dissolução dos idênticos e a produção de um terceiro termo, uma terceira possibilidade, sempre indefinida, sempre instável, sempre em mutação, sempre potencialmente outra?" (p. 19)

 

“Fundir-se não é superar a diferença interna, é afirmá-la permanentemente, é afirmá-la como condição mesma da fusão”. (p. 19)

 

“A diversidade, portanto, não pode ser o que nos dá identidade, o que nos identifica, porque seria cometer uma tautologia afirmarmos que o que nos identifica é que não somos ou não fomos ou não seremos idênticos nunca. Por constantemente nos diversificarmos, nos tornarmos diferentes de nós mesmos, um “nós mesmos” que seria impossível estabelecer, porque dentro de qualquer “nós” habitariam “eles”, esta possibilidade do estranho, do outro, do que não é idêntico”. (p. 20)

 

“Por que não pensarmos em fluxos culturais, ao invés de cultura, por que não pensarmos em construção de singularidades culturais ao invés de identidades culturais?” (p. 21)

 

“A singularidade é abertura para a relação, a identidade é pensar a possibilidade do fim da relação”. (p. 21)

 

“Precisamos sim de nos tornar singular, de afirmar a diferença, de tomá-la como ponto de partida para estabelecer relações de criatividade, de invenção, de afirmação do diverso”. (p. 22)

 

“Precisamos pensar, portanto, políticas culturais que dêem passagem à singularidade, que permitam a elaboração e expressão do diverso e não da identidade”. (p. 22)

 

“Culturas no plural, constituídas pela multiplicação do singular”. (p. 23)

 

 

Críticas e dúvidas sobre o texto e/ou as ideias do autor

 

            Esse texto do Professor Durval Muniz, traz uma análise bastante interessante sobre cultura e identidade nacional fugindo um pouco da ótica de uma cultural unilateral e de uma identidade homogênea.

No decorrer do texto ele comenta sobre a “missão resgate” sendo muito recorrente, através de artistas e produtores culturais, em geral, para que a tradição não desapareça, sendo isso um risco eminente. E uma das tentativas de resgate seria mergulhar na onda da digitalização que teria a função de reter uma dada produção cultural por meio da tecnologia. Através de um registro, por exemplo, audiovisual não se consegue preservar uma tradição mais profundamente em sua totalidade, pois a captura digital é somente um recorte mínimo de tempo, não considerando os anos de formação da cultura popular.

Durval faz uma crítica ao mito da tradição perpétua, sendo aquela que sempre existiu, isenta de modificação ou de transformação, ou seja, uma mera ilusão. Não existe uma tradição imaculada ou sem interferência de outra cultura, pois as épocas em que vão se intercalando, apresentam novos agentes que participam e adaptam essa tradição ao meio e ao período em que se vive.

Uma das melhores ponderações que tem no texto é quando o autor faz uma abordagem interessante sobre a questão da identidade nacional, vinda do mito das três raças (brancos, índios e negros) que gerou mestiçagens além da física, como, por exemplo, as culturais, mas tal fato anularia a lógica de identidade que é algo permanece (ou) idêntico. Outra sacada de Durval nessa mesma linha de pensamento é questionar como poderia existir alguma categoria de identidade sendo ao mesmo tempo, diverso e idêntico, desse modo não seria pela diversidade que se pode estabelecer uma identidade.

Dessa forma, o autor propõe uma mudança de concepção dos estudiosos que se interessam pela pesquisa relacionada à identidade nacional, propondo uma mudança em como se dirigir a esse olhar, mais plausível pensar na construção de singularidades culturais, do que identidades culturais, já que a singularidade é mais aberta à relação, a expressão do diverso, do diferente, e a identidade é restritiva e exclusiva.

 

Conexões possíveis com o texto

 

No livro Cultura brasileira e identidade nacional[1], o sociólogo e antropólogo Renato Ortiz também discute o emaranhado entendimento sobre a identidade nacional brasileira. De acordo com Ortiz (2006, p. 138), “a identidade nacional é uma entidade abstrata e como tal não pode ser apreendida em sua essência”. Ortiz ainda defende sobre a heterogeneidade da cultura brasileira que em certo modo ele se refere como culturas populares ao invés de cultura popular e isso está diretamente ligado à lógica de Durval Muniz sobre a diversidade justificada na singularidade.


[1] ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 2006.