RESENHA: Cidadania no Brasil: o longo caminho. José Murilo de Carvalho
CARVALHO, José
Murilo de. Cidadania no Brasil: o
longo caminho. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
Por Hernâni Oliveira
Ao
falar de cidadania no Brasil é inevitável traçar caminhos em que ao longo do
século XX os governos dos militares de alguma forma estiveram sempre presentes
na configuração política do país, como protagonistas ou coadjuvantes.
O
autor divide o governo dos militares em três fases: a primeira situa-se entre
1964 a 1968, com o governo do general Costa e Silva que já apresentava certa
atividade repressiva e economicamente o país sofria com inflação e salários
parcos. O segundo momento acontece de 1968 a 1974, e é caracterizado como um
momento crítico do ponto de vista dos direitos civis e políticos. Marcado como
um período de fortes repressões políticas e violências gratuitas a quem
discordasse do poderio do tirano Garrastazu Médeci. A terceira e última fase,
começa em 1974 no governo de Ernesto Geisel e vai até a eleição indireta de
Tancredo Neves em 1985. O período é marcado pelas poucas revogações das leis
repressivas e a restruturação dos opositores.
A
participação política dos militares deve-se desde o prelúdio da república
brasileira, “Mas as oligarquias conseguiram alijá-los construindo o sistema
coronelista da Primeira República” (p. 159). Com governo de Getúlio Vargas os
militares marcaram presença mais significativa na participação política e
depois de 1945 eles entraram na divisão da sociedade que apresentava
nacionalistas e populistas versus liberais conservadores.
A
repressão política nos governos militares de 1964 a 1974 resultaram de
instrumentos legais chamados de “atos institucionais” que foram pouco a pouco
minando a cidadania. Os civis foram tendo seus direitos políticos cassados, e os
opositores foram caçados pelas comissões de inquéritos, os mais conhecidos foram
os Inquéritos Policiais Militares (IPMs). Fazendo uma analogia, essas comissões
de inquéritos se assemelham aos tribunais do santo ofício que perseguiam os
hereges durante a inquisição medieval, agora os hereges não são os praticantes
de bruxarias, mas os adeptos do comunismo.
O
ato institucional número cinco fora o mais radical contra os direitos civis e
políticos, fechando até o congresso e com demissões massivas de funcionários
públicos. Em 1969, sob o governo de Garrastazu Médici foi promulgada uma nova constituição
que anexava os atos institucionais.
Os
arrochos militares fizeram surgir grupos de esquerda que adotaram táticas
militares de guerrilha de 1969 a 1974, “[...] as forças de repressão e da
guerrilha se enfrentaram em batalha inglória e desigual” (p. 163), de um lado
os guerrilheiros faziam sequestros e assaltos a bancos, enquanto do outro os
militares davam a resposta com prisões arbitrárias, torturas e assassinatos.
O
período de maior repressão também foi caracterizado como o de maior crescimento
econômico. Isso validava as atuações repressoras dos militares diante de seus
opositores, pois alimentava um sentimento que o país estava no “rumo certo”
criando “Uma onda de nacionalismo xenófobo e reacionário percorreu o país.
Viam-se nas ruas e nos carros faixas com os dizeres: ‘Brasil: ame-o ou
deixe-o”, uma crítica explicita à oposição, sobretudo à oposição armada” (p.
168). Porém esse milagre econômico fora desmistificado pelos pesquisadores que
descobriram que foi na verdade um momento de disparidades entre as classes,
onde os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Houve na verdade um
aumento das desigualdades sociais.
Apesar
da truculência do governo ditatorial nos direitos civis e políticos, houve
algum ganho nesses anos de trevas da democracia, onde “[...] os governos
militares investiam na expansão dos direitos sociais” (p. 170), com a criação
de mecanismos como o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e o Fundo
de Assistência Rural (Funrural) que proporcionaram alguns benefícios como
aposentadoria e pensão. Fora criado também o Fundo de garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), que tinha a finalidade similar a um seguro-desemprego, assim
como o Banco Nacional de Habitação que facilitava a compra de moradias pela
classe trabalhadora e por fim para “coroamento das políticas sociais, foi
criado em 1974 o Ministério da Previdência e Assistência Social” (p. 172).
Em
1974, o general Ernesto Geisel proporcionou uma abertura política, onde
minimizou as restrições da propaganda eleitoral, revogou o AI-5, o fim da
censura prévia no rádio e na televisão e o regresso de 120 exilados políticos
atenuando a Lei de Segurança Nacional.
Durante
os 21 anos do governo militar ocorrera vários retrocessos mas também avanços no
que diz respeito a cidadania. E falando em direitos sociais e políticos, “[...]
os governos militares repetiram a tática do Estado Novo: ampliaram os direitos
sociais, ao mesmo tempo em que restringiam os direitos políticos” (p. 190). Os
governos militares ganharam um crédito com a população em geral, pois primeiro
unificaram o sistema previdenciário (neutralizando a população citadina
proletariada), em seguida fazendo média com a população rural para que conquistassem
seus primeiros direitos, porém isso só durou até o fim do suposto milagre
econômico quando as taxas de crescimento começaram a decrescer.